Ser Professor do 1.º Ciclo

quarta-feira, junho 21, 2006

Ainda a Finlândia… notas soltas.

Olá a todos.

Há muito matéria para comentar no blog. Ainda assim, numa perspectiva de economia de esforço, sem coarctar a iniciativa e a vontade individual, preferia que concentrassem os comentários no post “O processo de investigação em análise...”.

Mais uma vez volto ao vosso contacto, aos meus fiéis leitores, que neste momento não devem ser muitos, para recuperar um post anterior e cumprir uma promessa: voltar a escrever sobre a viagem à Finlândia, agora que voltei já lá vão três semanas. A distância temporal pode fazer esquecer pormenores mas faz sobressair aquilo que valorizamos mais. Assim, em jeito de notas soltas, aqui vão alguns comentários sobre a viagem, sobre a conferência e sobre as escolas:

Na sua globalidade a conferência internacional acabou por ser um momento de convívio, depois de previamente se ter feito um esforço de sistematização e síntese de alguns dados relativos à investigação em causa. Nessa medida resultou plenamente, para além da necessidade de cuidar do inglês, pois é nas alturas que damos conta da sua importância. Também é nestas circunstâncias que percebemos que a aprendizagem em contexto faz todo o sentido.

A conferência também resultou num espaço de diálogo interculturas, de tomada de consciência da dimensão do global, muitas vezes em harmonia, outras vezes em dissonância, com a dimensão do local. Não raras vezes dei por mim, em processos demasiado dicotómicos e simplistas, a estabelecer pontos de comparação entre coisas que não sei se são possíveis de estabelecer analogias. Certo é que essa tendência, pouco racionalizada, resultou quase sempre em prejuízo do contexto português…

Serviu também para estabelecer alguns contactos internacionais. Relações que podem, numa ou noutra circunstância, ser rentabilizadas em benefício da nossa experiência profissional e pessoal.

O simpósio em que participei é fruto de uma parceria entre o IEC e a ESE de Santarém. Tratam-se de duas instituições de formação que comungam e partilham modelos e experiências de formação com perspectivas construtivistas, que têm como estratégias fundamentais a prática reflexiva e a construção de Projectos Curriculares Integrados. Este evento acabou por funcionar como uma forma de sistematização e consolidação deste projecto de formação, onde estão a decorrer duas investigações sobre a construção do conhecimento profissional.

Já o tinha dito, agradou-me particularmente a receptividade e o reconhecimento do simpósio e dos estudos apresentados. Modéstia à parte, foi dos simpósios mais concorridos, com uma estrutura de apresentação coerente e com o conteúdo devidamente articulado. Isto mesmo foi devidamente reconhecido pelos diferentes participantes, das mais diversas partes do mundo (Macau, Turquia, Espanha, Finlândia, Portugal, …), que nos dirigiram palavras de incentivo e de parabéns pelo trabalho realizado.

Admirei também as condições do Centro de Congressos onde decorreu este evento. Uma estrutura independente, de iniciativa privada, com condições excelentes, onde há espaço e requisitos para as mais diversas manifestações humanas (convívios, exposições, workshops, conferências, teatro, ópera, …).

Não tive oportunidade de visitar escolas do ‘1.º Ciclo’ (‘comprehensive school, lower stage’, 1.º ao 5.º ano de escolaridade – 7 aos 12 anos). Ainda assim acabei por visitar uma escola do ‘2.º Ciclo’ (‘comprehensive school, upper stage or junior secondary’ – 6.º ao 9.º ano de escolaridade), ligada aos processos de formação de professores da Universidade de Tampere. Uma escola estatal por comparação com outras escolas de responsabilidade municipal. Pelo que entendi, apenas muda as fontes de financiamento, pois o seu funcionamento é basicamente o mesmo.

A escola ‘básica’ finlandesa oferece um programa de 9 anos de escolaridade obrigatória, ao qual se acrescenta um 10.º ano de frequência voluntária. Antes dos 9 anos de escolaridade existe um ano de ‘educação pré-escolar’ (6/7 anos), de frequência generalizada, garantido nas escolas do ‘1.º ciclo’ ou por ‘jardins-de-infância’. Estes ‘centros de educação pré-escolar’ estão habilitados a receber crianças desde o primeiro ano de vida.

Depois de completarem a educação obrigatória os estudantes podem seguir para a ‘escola secundária’ (‘upper secondary school’), que garante três anos de educação generalista (10.º ao 12.º ano de escolaridade). Podem ainda seguir a via da educação vocacional que pode demorar a completar entre 2 a 6 anos. Um em dois finlandeses completa o nível da ‘escola secundária’ e 23% possui um grau de qualificação superior.

Uma nota sobre as condições materiais das escolas. Presumo que nos quiseram mostrar algo que pudesse deixar uma boa impressão. Faria de igual modo se fosse incumbido da mesma tarefa em Portugal. Ainda assim, por comparação (cá está a tendência), fiquei impressionado com excelente nível de qualidade e com a diversidade dos equipamentos das escolas. Desde os espaços comuns, às salas, aos gabinetes para os professores, até à biblioteca, à cantina, ao bengaleiro, aos materiais para as expressões artísticas, tudo parecia estar pensado em função dos alunos. A mesma impressão trespassou nos comentários de colegas que tiveram a oportunidade de realizar a visita a uma escola do ‘1.º Ciclo’.

Faltou perceber como está organizado, que actividades desenvolvem, que conteúdos trabalham no pré-escolar (por exemplo, como trabalham as questões da iniciação à leitura e escrita). Contudo, registei o facto de as crianças na Finlândia iniciarem o seu percurso ‘escolar’ obrigatório apenas aos 7 anos. Pelo que pude apurar, para começarem a escola mais cedo têm que indiciarem um processo que, em última instância, é decidido pelas autoridades educativas.

Na escola que visitei tive oportunidade de acompanhar grupos temáticos mais pequenos. Esses grupos, formados por interesses específicos, foram acompanhados por professores especializados no âmbito desses interesses. Acabei por escolher, por influência da Professora Luísa, a educação especial, embora também fiquei curioso pela parte das TIC. A senhora com quem falámos era assistente social com formação em Psicologia. Coordena uma equipa multidisciplinar, constituída por professores. A ideia com que fiquei é que há uma verdadeira preocupação de integração na escola, não só pelos aspectos relacionados com as dificuldades de aprendizagem das crianças, mas numa perspectiva mais abrangente, onde se inclui os afectos, os interesses, os conflitos. Verifiquei um acompanhamento permanente e um conhecimento detalhado de todos os alunos da escola, procurando ter intervenções precoces com carácter preventivo ou possam minimizar danos.
Ainda assim, já numa parte mais avançada da conversa, deu para perceber que a sociedade finlandesa debate-se actualmente com alguns problemas sociais, cuja dimensão não sei explicitar, mas que foram apresentadas como verdadeiras preocupações ao nível da população estudantil, e que mereceriam uma outra reflexão. Aqui ficam as referências que me chamaram a atenção: o alcoolismo, o suicídio, as famílias desestruturadas, os conflitos nas interacções sociais (sobretudo entre raparigas), o bulling (mais entre os rapazes).

Impressionou-me as salas de expressão e educação plástica. As salas mais pareciam ateliers de pintura, escultura. Bancas cheias de materiais, salas e corredores decorados com autênticas obras de arte produzidas pelos alunos. Tudo num ambiente muito informal, mas ao mesmo tempo muito profissional.

Além do gabinete de Educação Especial, também pude averiguar que há uma enfermeira a tempo inteiro na escola e visitas semanais de um médico, que observa alunos por sugestão da enfermeira e da equipa de educação especial e pode encaminhá-los, caso se torne necessário, para outros serviços especializados fora do âmbito da escola.

Os professores da Finlândia também discutem a autonomia da escola, a gestão curricular que possa permitir o equilíbrio entre as especificidades locais, os interesses divergentes e a identidade nacional, os conhecimentos estruturantes. Depois de uma experiência marcada pela acentuada autonomia da escola na decisão curricular, com dinâmicas locais muito activas e com o envolvimento dos professores, actualmente vive-se o surgimento de alguns mecanismos e políticas que acentuam o controlo estatal, que pretendem uniformizar procedimentos e conhecimentos, muito influenciados pela demanda neo-liberalista que induz uma forte pressão sobre os resultados e preconiza os rankings das escolas.

Também tem estado em causa o estatuto social e remuneratório dos professores. Parece que, segundo negociações que estão ainda a decorrer, se caminha para uma relação mais estreita e personalizada entre professor e estado ou entidade patronal, onde parece haver margem de manobra negocial, diferenciando os professores por factores de mérito, experiência profissional e outros que não sei concretizar. Não me perguntem como fazem, mas seria interessante perceber um pouco melhor estas ideias e a concretização das mesmas. Ainda assim, não se deve incorrer em analogias directas e precipitadas, pois tornava-se necessário perceber as condições do contexto finlandês.

2 Comments:

  • Gosto desse ar decidido, Ana. Só tenho a dizer-lhe que, assim as oportunidades lhe permitam, não duvido que chega lá, mais cedo do que imagina...

    Embora tenha apreciado a viagem à Finlândia e tenha gostado de conhecer o contexto finlandês, acho que não vi o suficiente para daí retirar implicações com repercussões imediatas no meu trabalho... mas, quem sabe, com mais conhecimento e nas circunstâncias adequadas...

    By Blogger Carlos Silva, at 7/24/2006 1:25 da tarde  

  • Estou a ficar intrigado... Apetece-me ser uma janela indiscreta! Malas!? Para onde? Aqui não se promovem viagens de turismo... se bem que já ouvi falar em 'turismo pedagógico', mas aqui é a parte séria.

    By Blogger Carlos Silva, at 7/25/2006 1:49 da manhã  

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