Ser Professor do 1.º Ciclo

sábado, março 25, 2006

Professor tradicional vs. Professor inovador

No seguimento de vários comentários que ficaram para trás neste blog, queria voltar aqui à questão do perfil profissional do Professor do 1.º Ciclo do EB, visto de uma forma muito dicotómica no binómio ‘Professor tradicional’ vs. ‘Professor inovador’.
Para a reflexão desta questão sirvo-me das palavras da Dra. Isabel Candeias, retiradas de uma troca de mensagens de correio electrónico.

“… Continua a fazer falta clarificar o conceito de "ensino tradicional". Na maneira como estão a ser feitas as referências, estão a misturar-se posições conceptuais diversas. No ensino tradicional estão a ser colocados defeitos e qualidades numa sobreposição de concepções. O que está em causa é o papel do professor e do aluno e os sentidos que são dados ao processo de ensinar e ao processo de aprender. Se a intenção primordial do professor é que os alunos aprendam é possível que o professor desenvolva processos tradicionais de ensino? Que processos são esses? E que aprendizagens apoiaram? É uma aprendizagem de conceitos, de factos, de fazeres desligados do todo? Ou é um aprender integrado e útil?
Para que o aluno aprenda de forma integrada e útil, com significado para cada um (para cada um dos alunos) que estratégias de ensino o professor deve considerar prioritárias? Essas estratégias são compatíveis com a visão de ensino tradicional?
É preciso aclarar isto tudo. Senão, podemos estar a falar de coisas diferentes usando as mesmas palavras, e podemos estar a ofender alguns óptimos professores que consideram que muitas das metodologias ditas tradicionais podem ser o centro do seu ensino, tendo, no entanto, a certeza de que os seus alunos desenvolveram o sentido crítico, a cidadania como vivência humana e a procura do saber. Mas também o rigor, a atenção, o respeito. Aqui há contradição?”.

Podem comentar estas palavras da Dra. Isabel Candeias, podem reflectir acerca das várias interrogações que nos são lançadas. Se mais não quiserem, deixo, então, um desafio, como outros que já fiz:
– Identifiquem uma característica para o professor dito de ‘tradicional’ e uma outra característica para o professor dito de ‘inovador’.

3 Comments:

  • Este último comentário da Olga fez-me (re)lembrar uma troca de mensagens no e-mail (mais uma vez!) que tive com a Dra. Isabel a propósito desta postagem e dos comentários da Paula e da Beatriz. Fiquei com uma vontade enorme de transcrever a minha resposta a uma ‘provocação’ da Dra. Isabel. Depois fiquei a pensar e percebi que a minha resposta só faria sentido se soubessem o conteúdo da mensagem que despoletou esta troca de ideias. Com as devidas adaptações, aqui ficam, neste e no próximo comentário, o conteúdo dessas mensagens.

    "(…) Os posts da Paula e da Beatriz invocam aquela ideia saudosista que antigamente os alunos sabiam mais na 4.ª classe do que hoje no 4.º ano. Referem também a ‘durabilidade’ do ‘conhecimento’ conseguido naquela altura, do qual resulta, por exemplo, o saber ainda os nomes dos rios, das estações de comboios e das serras de Portugal.
    Continuo a pensar que persiste uma certa confusão: imaginemos que HOJE existia uma investigação em que as crianças experimentavam um ensino com as características de uma qualquer escola primária portuguesa de 1960 e lhes fossem exigidos os mesmos conhecimentos da 4.ª classe da altura. Que tal? Achas possível? Seria justo? Esse ensino ‘durável’ é adequado aos dias de hoje, às tuas filhas? Se a resposta for sim, não tenho mais palavras. Se a resposta for um NÃO horrorizado, então desaparecem as dúvidas acerca da utilidade e adequação de um tipo de ensino e de aprendizagem em que trinta anos depois ainda as pessoas se lembram do nome das estações. Poderia dar imensos exemplos da inutilidade dessas aprendizagens.
    Concordo que os processos de memorização são essenciais. Não consigo separá-los do significado, isto é, a memorização também pode ser utilizada em processos de aprendizagem significativos. Basta pensar na facilidade com que os alunos aprendem lengalengas ou são capazes de decorar longas listas de novas palavras, na iniciação de uma língua estrangeira! Continuo sem perceber a ideia fundamental que diferencia o professor ‘tradicional’ do ‘outro’ professor.
    Também ainda não percebi se o ‘outro’ professor se caracteriza apenas por ser inovador e reflexivo."

    Tudo isto foi dito num enquadramento de outras palavras que, sendo muito simpáticas, não precisam de ser publicadas neste contexto. A seguir vem a resposta que escrevi a esta mensagem.

    By Blogger Carlos Silva, at 4/06/2006 4:13 da tarde  

  • "Olá Isabel. Faz sentido o que dizes; a bipolarização é falaciosa e não ajuda à compreensão. A separação acaba por ser redutora.

    Quanto à lógica da memorização associada ao significado, faz-me recordar a invocação de Ausubel que a Profa. Maria do Céu Roldão fez hoje (ontem), na conversa que tivemos em conjunto: há memorização mecânica (aprendizagem mecânica) e há memorização significativa (aprendizagem significativa), por um lado; há aprendizagem receptiva, aprendizagem por descoberta guiada e aprendizagem por descoberta autónoma, por outro.

    As diferentes possibilidades que estas entradas em eixos cartesianos (acho que é assim que se diz) nos permitem é que nos podem dar uma luz sobre o posicionamento do papel dos alunos na aprendizagem, o tipo de aprendizagem que concretizam e, eventualmente, o tipo de práticas realizadas pelos professores que possibilitam (criam condições) para a aprendizagem que, se quisermos, por questões de arrumação, podem ser incluídas em 'rótulos' de professores mais ‘tradicionais’ ou mais ‘inovadores’. De qualquer maneira esta designação é redutora para tamanha complexidade de situações de aprendizagem (tipologia de actividades que se enquadram na intercepção destas designações).
    Querendo ser mais purista, num determinado posicionamento das coordenadas (aprendizagem memorística vs. aprendizagem receptiva) pode-se questionar se há 'verdadeira aprendizagem', do ponto de vista de um enquadramento que se pode encontrar nas concepções construtivistas (e sócio-críticas, ecológicas...) da aprendizagem.

    Faz sentido isto para ti? Obrigado por me fazeres (re)pensar estas coisas que deveríamos ter por adquiridas, mas que estão em permanente questionamento.

    O texto poderia ficar por aqui, mas na mensagem não ficou. Depois de muito pensar decidi também publicar a nota final dessa mensagem, até como provocação, mas também por questões de honestidade. Em momento algum expressa um sentimento verdadeiro de desapontamento perante os resultados provisórios desta investigação, e muito menos põe em causa o apreço que tenho por todos vós. Revela, antes, em última instância, fruto de várias circunstâncias, algumas das quais conhecem, um estado de espírito pessimista, descrente e algo desencantado, que também parece ser próprio, em determinadas alturas, de quem embarca nestas questões da investigação e de provas de doutoramento.

    “Nota: Estou desiludido com o blog... com as pessoas... comigo... por não ter sido capaz de despertar as pessoas para estes questionamentos... Bem, talvez esteja a 'exxagerar', como diz a minha filha Rita.
    Depois não te admires que tenha de utilizar as tuas palavras no blog. Tu provocas-me..."

    By Blogger Carlos Silva, at 4/06/2006 4:20 da tarde  

  • Em abono da verdade, lembrei-me agora que a minha mensagem não ficou sem ‘troco’. Embora tenha conversado previamente com a Dra. Isabel acerca da publicitação de conteúdos que fazem parte de conversas privadas que mantemos, situação para a qual demonstrou a maior abertura (se isso puder ajudar na dinâmica do blog), percebo melhor agora que nem tudo é susceptível de partilha, mesmo que os princípios de honestidade e transparência sejam respeitados. Acho que o registo e a forma como nos relacionamos com o conteúdo assunem proporções diferentes quando a esfera é privada ou pública. E isso pode não atraiçoar a coerência dos diferentes discursos, pode não ser contraditório com a sinceridade e a honestidade dos discursos.
    Esta análise leva-me também à percepção do papel difícil que vós, como Professores do 1.º Ciclo, colocados num determinado contexto escolar, assumis com as vossas reflexões tornadas públicas por este meio de difusão e comunicação (ainda que restrito, mas público) de ideias, posturas, divergências, em consequência da participação neste processo de investigação.
    Ainda assim, para descansar alguns pensamentos menos positivos em relação à mais valia do blog, no âmbito desta investigação, aqui ficam algumas palavras da Dra. Isabel, como resposta ao meu desabafo. Deixam, contudo, no ar o princípio de outras interrogações que devolvo aos participantes do blog.

    “Pois... também me lembrei de Ausubel e da Maria do Céu Roldão. E também penso que ainda sabemos pouco sobre os mecanismos da aprendizagem e do funcionamento do cérebro, tal como foi dito ontem à tarde.
    Eu não me sentiria desapontada com os resultados do blog. Penso que os resultados são espantosos, embora nem todos estejam na direcção que tu (e eu) gostaríamos. Se após a sua formação inicial e enquanto experimentam a realidade do que é ser professor, os ex-alunos ainda duvidam, confundem, são pouco claros em relação a conceitos básicos, então estamos perante uma formação em que os objectivos foram claros e conseguidos? (…) Pensa: em face dessa tua ‘desilusão’, o que mudarias no curso? O que mudarias na prática pedagógica? O que é que falta?”.


    Nota final: Deixo estas reflexões aqui, não só como contributos para uma análise partilhada destas e doutras questões relacionadas com a construção do conhecimento profissional, na formação inicial e no período de indução profissional (objectivo primeiro deste espaço), mas também porque me tenho apercebido que o movimento do blog, neste momento, não é dos mais significativos. Assim, procuro responder a uma outra faceta que o blog tem assumido para muitos de vós e para outras pessoas que, estando de fora, o têm acompanhado com muito interesse, e que diz respeito à leitura de questões que vos dizem respeito, enquanto profissionais do 1CEB. Nesta situação, quase adoptado como um ‘companheiro’ do dia-a-dia, torna-se necessário procurar manter um movimento mínimo que mantenha, então, a chama acesa deste blog.

    By Blogger Carlos Silva, at 4/06/2006 5:21 da tarde  

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