Ser Professor do 1.º Ciclo

sábado, fevereiro 11, 2006

O Projecto Curricular Integrado como dispositivo de formação e de aprendizagem escolar.

Nota preliminar: Esta postagem vai ser longa, mas resume-se à vontade de despoletar significados assimilados, enquanto alunos da formação inicial do IEC, sobre o Projecto Curricular Integrado. Todo o texto pretende ter uma função estimuladora de alguns desses significados.

Um dos aspectos a que dei relevo nas entrevistas foi a aprendizagem sobre a construção, desenvolvimento e avaliação do Projecto Curricular Integrado (PCI) na formação inicial, até pela importância que assume como instrumento de síntese e regulação/gestão do trabalho curricular e pedagógico dos professores, uma vez que se trata também de um documento previsto pela Reorganização Curricular do Ensino Básico.

Pretendo, agora, fazer evidenciar e trazer à discussão/reflexão algumas das linhas desenvolvidas nas entrevistas e nos registos escritos sobre o PCI, utilizando para isso três excertos deste último dispositivo metodológico de recolha de dados, e que foram produzidos a seguir às entrevistas, conforme estava previsto.

“A metodologia de projecto levou-nos a construir um modelo profissional que permite uma atenção aos interesses e necessidades individuais, sociais e escolares, dando a ideia de um currículo negociado e não imposto aos alunos. Leva o aluno a investigar problemas com que se vai deparando, torna possível a globalização do conhecimento escolar, aumenta os níveis de motivação e de satisfação dos alunos levando-os a adquirir atitudes positivas face a si e aos outros. Possibilita também a flexibilização do currículo, em que o professor tem o papel de construtor de um currículo adequado ao aluno. Deste modo, o aluno tem oportunidade de construir o próprio conhecimento, de comparar os seus saberes com aqueles que são considerados desejáveis socialmente, reestruturando o seu conhecimento. Este tipo de projecto procura também uma integração de todas as áreas, uma articulação entre elas, e uma abertura ao meio, à sua participação e cooperação com a escola” (Andreia Lusquinhos).

“Não podia deixar de referir a importância da Prática Pedagógica e do Desenvolvimento Curricular, pois foram estas disciplinas que nos proporcionaram uma nova visão do Ensino Básico do 1.º Ciclo, nomeadamente através da construção de um Projecto Curricular Integrado (…)
No entanto, e mais importante que tudo isto, a noção de Projecto Curricular Integrado deveria, no meu ponto de vista, ser implementada na licenciatura, promovendo articulação e atribuindo significatividade a algumas disciplinas” (Beatriz Costa).

“O trabalho que me foi exigido, essencialmente nas disciplinas de Prática Pedagógica III, IV, de Desenvolvimento Curricular e de Seminário, também desempenhou um papel importante na construção do meu perfil profissional. Com a crescente capacidade de ir construindo, de forma crítica e reflexiva, projectos curriculares fui-me apercebendo que o ensino não pode ser “ministrado por doses”, isto é, os conteúdos não devem surgir de forma compartimentada. É importante que o processo de ensino-aprendizagem proporcione ao aluno a possibilidade de atribuir um sentido próprio às aprendizagens que efectua. Aprender faz sentido quando o aluno é capaz de mobilizar os seus conhecimentos em situações concretas e sente a necessidade de aprender determinados conteúdos. Assim, considero que os princípios para a construção do currículo (articulação, relevância, adequação, abertura), quando tomados em linha de conta, permitem o verdadeiro trabalho em projecto” (Paula Ribeiro).

A análise que gostaria que fizessem não se centra exclusivamente na definição, compreensão e utilização do PCI, tal como foi trabalhado no Desenvolvimento Curricular e nas Práticas Pedagógicas, o que só por si pode trazer um largo espectro de conteúdos de discussão e reflexão (podem fazê-lo, se acharem pertinente). Gostaria que fossemos um pouco mais longe, fazendo um repto à emergência dos significados que o PCI suscita em vós, quando pensam na vossa formação inicial. Mais especificamente, como explicam o sentido do título desta postagem: “O Projecto Curricular Integrado como dispositivo de formação e de aprendizagem escolar”.

2 Comments:

  • Boa tarde...

    Numa perspectiva de escola enquanto comunidade educativa onde preende que haja uma interacção entre os vários intervenientes, faz todo o sentido a constução de instrumentos curriculares que possibilitem a articulação das várias dimensões do currículo: socializadora, personalizadora e cultural (Alonso, 98).
    Para tal, existe todo um conjunto de pressupostos que fundamentam e torna viável essa construção: articulação horizontal, articulação vertical, aprendizagem ao longo da vida.
    Assim, e na minha perspectiva, penso que os professores, sobretudo, na formação inicial, e depois ao longo da vida profissional, precisam exercitar estes pressupostos, para que depois o percurso de construção do saber profissional o reflicta.
    Dito por outras palavras, e espero estar a comentar o que nos foi proposto, penso que na formação inicial deveria organizar os programas de formação de forma a fazer uma maior articulação entre os vários saberes, nomeadamente a nível científico, em cada um dos anos, e haver também uma maior ligação entre os conteúdos que são tranbalhados num ano, e aqueles que dizem respeito ao ano seguinte. Só assim, penso que os formandos sairão do IEC com uma perespectiva de currículo mais integrada e funcional.
    Para finalizar, gostaria de referir um outro aspecto directamente relacionado com o PCI: é a questão do aprender a aprender e do aprender a ensinar, algo que não acontece num determinado período da vida de uma pessoa, mas que deve acontecer pela vida fora. Esta perspectiva vem de certa forma, penso eu, responder a algumas dúvidas ou questões surgidas neste blog relacionadas com aqualidade da formação inicial. Como no ensino não há receitas, e que o conceito "educar" é um conceito vasto, complexo e pluri-dimensional, é cada vez mais permente desenvolver competências de abertura à formação contínua, não numa perspectiva de benefício pessoal, mas antes numa perspectiva de vontade em querer sempre chegar mais longe, de forma a responder aos problemas / questões geradoras que surgem aquando do desenho e construção dos PCI nos contextos educativos.

    Bom fim de semana....
    Espero não ter sido muito confuso...
    e que venha de encontro ao que se pretendia....

    By Blogger Nuno Monteiro, at 2/11/2006 4:23 da tarde  

  • Alguns comentários aos vossos comentários (longo, muito longo, mas já estou a pensar em resultados desta investigação):

    Não, não é confuso Nuno! O teu comentário reflecte algo que o blog tem vindo a reconhecer: por muito interessante que a Formação Inicial seja, ela só fará sentido se formos capazes de a tornar significativa ao longo da nossa actividade profissional.
    Agora, torna-se necessário que a FI aponte para bases sólidas, construa alicerces, atribua ferramentas, instigue ao aprender a aprender. Isto pode ser feito, faz tudo o sentido que seja feito numa perspectiva de PCI, conforme diz, permitindo que os formandos construam “uma perspectiva de currículo mais integrada e funcional”. E eu explicito, uma perspectiva de currículo de formação de professores e currículo escolar do Ensino Básico mais integrada e funcional.

    De facto, Beatriz (gosto cada vez mais deste nome!), a matriz de um PCI, tal como estudaram no IEC, não é algo que esteja consolidado nas escolas. Não é preciso que seja tal e qual como aprenderam no IEC, conforme diz e bem. Há, no entanto, princípios e procedimentos que devemos respeitar, se queremos que se torne num dispositivo que ‘motive os professores e os seus alunos’, que se torne num instrumento de ‘formação e de aprendizagem’.
    Entre outras coisas, faz assim sentido proceder à caracterização do contexto (potencialidades e limitações dos contextos, interesses e necessidades dos alunos, …), conhecer as concepções prévias, fazer o levantamento dos problemas e das questões geradoras, identificar prioridades e tomar opções, construir mapas de conteúdos, desenhar e desenvolver actividades integradoras, trabalhar numa perspectiva de metodologia de investigação e resolução de problemas… Isto sim, parece estar ainda um pouco longe das escolas. Porquê? Certamente por falta de formação, mas talvez por falta de condições profissionais, de motivação, de disponibilidade, de acompanhamento ou assessoria… por falta de uma cultura escolar de colaboração, investigação, reflexão.

    Trabalhar com uma metodologia de PCI é algo que se aprende, do ponto de vista teórico, mas sobretudo, construindo, desenvolvendo e experimentando nos contextos escolares. Quero crer que reside aqui grande parte do sucesso da vossa formação inicial, pois tiveram oportunidade em diversos momentos, e de uma forma dialéctica (investigação, acção, reflexão), de desenvolver processos em que o PCI assumia o papel de objecto de formação e de instrumento de aprendizagem (daqui o título da postagem: ‘dispositivo de formação e de aprendizagem’).
    Esta ideia está muito bem expressa no comentário da Paula. Tal como as crianças atribuem significado ao que aprendem no desenvolvimento de PCI, também vós, como formandos, tivestes oportunidade de perceber que ‘faz sentido’ trabalhar com uma metodologia de projecto, porque construíram e desenvolveram projectos em contextos escolares. Podemos, eventualmente, discutir se o que se fez (ou faz) na FI foi suficiente e se esta perspectiva não deveria assumir um carácter mais alargado, envolvendo todas as componentes da formação, como ‘fio condutor’ da FI.

    O desenvolvimento do PCI, como proposta de ‘currículo aberto, flexível e dinâmico’ assume também um carácter de promoção democrática do sucesso na aprendizagem perante a diversidade de alunos que as escolas e as turmas apresentam hoje em dia.
    Como resultado desta postura estamos a investir na construção do conhecimento profissional e na consequente realização dos professores. E isto faz sentido porque é desígnio profissional dos professores a plena realização dos alunos, independentemente da diferenciação das condições de chegada à escola e, consequentemente, de acesso à cultura escolar. Este comentário resulta da reflexão da Eva que muito bem nos chama atenção, apesar das dificuldades, para a necessidade de mantermos vivos princípios fundamentais da profissionalidade docente: para quem, para quê e como os professores do 1.º Ciclo trabalham.
    Isto não inviabiliza que, numa perspectiva mais crítica da educação e das opções curriculares, os professores, não tenham um discurso interventivo, até político, para além da sua acção curricular e pedagógica, sobre as desigualdades sociais, sobre as condições profissionais, sobre os verdadeiros fins da educação, … mas não deve servir de desculpas, pelo contrário, deve reforçar o sentido do profissionalismo docente. Esse é um propósito difícil mas fundamental da escola e dos professores (cada vez mais difícil em sociedades neoliberais, onde o lucro e os produtos assumem a primazia).

    O comentário da Joana remete-nos para o papel do professor como construtor e mediador do currículo (abandonando uma postura de “simples ‘aplicador’ passivo e acrítico do currículo”), baseado nas “exigências de uma sociedade em constante mutação e com características próprias, que conseguem ser singulares e simultaneamente globalizadas”.
    O PCI, e a metodologia de resolução de problemas, tornam-se em ferramentas imprescindíveis para assumir esse papel, que se configura na “gestão flexível de currículo, adaptado aos contextos, e na construção do conhecimento significativo e funcional”. Preconiza-se, entre outros aspectos, vectores essenciais que caracterizam a intervenção do professor, como seja a articulação curricular, a construção de competências do aprender a aprender, a promoção da construção da aprendizagem por parte do aluno, o desenvolvimento da autonomia na aprendizagem.

    O PCI assume uma forte componente de gestão curricular (articulação e diferenciação curricular) que em si se torna num instrumento de formação e realização ao longo da actividade profissional. Esta parece ser uma das linhas fortes do pensamento da Mónica, pois diz que “os professores que se enquadrarem nesta realidade [construção de PC de Turma como documento para a prateleira] não sabem os benefícios que poderiam obter com o PCI, para o seu trabalho, organização, realização profissional e até pessoal”.
    Outra linha de pensamento que retiro do comentário da Mónica está relacionado com o papel que o PCI pode assumir na gestão da diversidade de alunos, de interesses, de necessidades e de ritmos de aprendizagem. Embora admitindo que não seja fácil, considera que o PCI se torna numa oportunidade de os alunos “construírem o seu próprio conhecimento”, proporcionando-lhes “aprendizagens verdadeiramente significativas”.

    Uma nota final para o meu duplo contentamento que resulta da análise destes comentários. Estamos, de facto, num nível de conhecimento declarativo; não conheço as vossas práticas em particular. Contudo, a avaliar pelo grau de análise e reflexão que aqui apresentam, fico, como disse, duplamente satisfeito (para além da importância destes contributos para o desenvolvimento da investigação que estamos a realizar):
    – Primeiro porque, quem escreve e reflecte desta forma, não duvido que tenha já incorporado e assimilado este discurso nas suas práticas, pois dá-me a sensação que falam do que fazem (independentemente das dificuldades, das dúvidas, dos problemas e dos desafios que todos os dias devem enfrentar);
    – Segundo, porque acredito que muito do que dizem e fazem resultou, de facto, do vosso processo de formação inicial (para o qual, também contribui, ainda que numa medida pouco significativa), o que leva a acreditar que podemos estar no bom caminho, apesar de ser possível e desejável melhorar, conforme também temos vindo a apontar.

    Um abraço, Carlos

    By Blogger Carlos Silva, at 2/17/2006 2:49 da tarde  

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